“Tragam-me
os vossos sofrimentos, troco-os por alegrias.” – este era a inscrição
colocada numa casa humilde, dum longínquo lugar, onde o tempo se tinha
esquecido de correr.
Todos
procuravam este lugar, pois embora ele ficasse bem longe de tudo que a
materialidade podia proporcionar como conforto, o que esta inscrição anunciava,
rapidamente se constatou ser verdadeira. Assim por todo o reino, por todos os
seus cantos, correu a noticia que ali havia um peregrino que trocava o
sofrimento dos outros por alegrias que eram suas.
Como
se de uma peregrinação se tratasse, vinham almas de todos os cantos do reino,
todos com um só objetivo – deixar ai os seus sofrimentos, levando consigo, as
alegrias do peregrino. Passaram-se anos e a fama do dom de tal ser, tornou-se
plena, todos sabiam e em todas as famílias já alguém tinha feito tal peregrinação
atestando da divina troca que aquele peregrino fazia com todos, sem pedir nada
em troca.
Um
dia o governante desse reino, ao saber de tal noticia e após a insistência da sua
côrte, mandou chamar o peregrino à sua presença.
- Ouve-se contar por todo o meu
reino que você troca sofrimento por alegria e a todos os que o procurem, sem
cobrar nada por isso, é verdade peregrino? – Questionou o soberano.
- É sim. Faço isso com todos os
que o desejem trocar comigo, mas só quando o sofrimento é bem antigo e é de
tamanho imenso que quase já não cabe no coração. - Respondeu.
- Mas como você faz isso e
porquê só os sofrimento antigo que não cabem mais no coração? Você é mago ou
bruxo? – Questionou de novo o soberano.
- Não, não sou bruxo, mas pode
considerar-me mago sim. Pois no meu caminho de toda a vida, sempre estive
atento, sempre retirei o melhor que cada sofrimento me trazia, sempre deles
tirei ensinamentos. De tal modo que só bem mais tarde percebi que, de tanto lidar
com meus sofrimentos, no final de muitos anos, esse domínio se transformou no
que vocês chamam de DOM. Ao perceber isso, reparei que na verdade nunca tinha
tido sofrimento antigo, pois rapidamente os transformava em sabedoria.
- Então e porque você só troca
sofrimento grande, os que já nem cabem no coração?
- Veja, se são tão grandes assim
é porque são irresolvíveis pelo sofredor. Não porque ele não saiba transformar sofrimentos
em sabedoria e desse DOM ganhar alegria. Mas porque, a velocidade a que ele
aprendeu foi tardia, assim ele só saberá lidar com novos sofrimentos, aqueles
mais frágeis, mais fáceis de resolver. Já eu, meu dom na verdade é esse mesmo –
estive sempre atento, sempre disponível para perceber no mais tenro sofrimento,
todo o seu ensinamento. Assim faço uma troca, quando o sofredor chega junto de
mim, tem que se mostrar na sua totalidade, até eu ficar conhecendo-o melhor que
ele mesmo. Ai começa a magia, explico para ele, os passos que ele deveria ter
dado, para que esse sofrimento se tivesse transformado permanentemente em sabedoria.
Passo a passo, em cada acontecimento que o levou a tal sofrimentos, desmonto e
mostro o ensinamento que estava ai guardado, no final é o próprio sofredor que
me entrega o sofrimento, pois quando parte, esse sofrimento, fica, como fica a ignorância
que o sofredor transportava, apenas leva a alegria do saber, expressa na chave do
conhecimento para lidar com os futuros ensaiamentos que alguns teimam em chamar
sofrimento.
- Muito bem, entendo. Mas não
acredito que você não ganhe nada com tudo isso. Retorquiu o soberano.
- Tem razão, confesso, ganho
sim.
- Ah, eu sabia. O que você tira
das pessoas???
- Veja, o dia que entendi o dom que
tinha, nesse mesmo dia, deixei de ter mais o que aprender, pois essa sabedoria me
leva também a que os erros não aconteçam. Dai que já não tinha mais como
aprender comigo. Só haveria uma solução aprender com os outros. Então?!!! É
isso que tiro em troca de todos os que me procuram – continuo aprendendo com os
seus erros, pois já não tenho como aprender com os meus.
Ouvindo
estas palavras do peregrino o soberano, que ocultamente tinha a intenção de
mandar prende-lo no final do interrogatório, à frente de toda a sua corte, de
todos os seus súbditos, lavado em lágrimas, joelhou-se aos pés tão nobre alma.
Todos os presente o seguiram no seu gesto e desta vez este gesto coletivo, não
era um protocolo, mas sim algo genuíno, vindo do coração de cada ser.
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