Estando numa
ala mais elevada da seu “lar”, o ser sentiu-se tomado por um incontrolável
sentimento de paixão. Aquela figura feminina que ali se encontrava à sua
frente, sem mesmo ele saber quem ela era, tinha tomado o controlo de “todo” o
seu ser .
A tal turbilhão de sentimentos, juntou-se-lhe
um outro de angustia, quando de uma ala mais baixa, surge o chamamento de uma
voz. Esta, era-lhe conhecida, familiar, sua companhia diária, alguém com quem “sempre”
partilhou tudo.
Ao chamamento deste seu “irmão”, espantosamente
ele respondeu com um reacção pouco comum. Sem lhe responder, abriu a porta que
dava para um imenso espaço “quase” infinito de enormes e labirínticos corredores
de moveis carregados de todo o tipo de livros, percebeu que ele vinha na sua direcção enquanto
o chamava. Sem sequer pensar mais, tomado pelos sentimentos
desconhecidos que a presença daquela figura feminina lhe proporcionavam, pegou-lhe
na mão e dirigiram-se rapidamente para um carro que ali se encontrava.
Descendo da ala mais elevada onde se encontravam,
para a ala abaixo da habitação, sim mesmo no próprio interior da seu “lar”, entraram
no automóvel, este, estava em perfeito estado de conservação, descapotável,
marca Mercedes cor cinza metalizado, mas seria o que nós entenderíamos por um
modelo de colecção dos anos 60. Rapidamente, enquanto o seu “irmão” entrava
pela outra porta de acesso à “ala superior” procurando-o, eles, saiam a
grande velocidade por um corredor imenso, gigantesco, ladeados por
enormes moveis de incomensuráveis quantidades de livros.
O querer fugir de seu “irmão” era tal, que ele
nem se apercebeu da enorme velocidade que levava, perdendo por completo a
capacidade de mudar de direcção ou parar, quando o corredor terminou e deu
lugar a uma saída, outro corredor perpendicular. Nestes breves segundos, ele
sentiu que ia sozinho no automóvel que a tal figura feminina que tanto o atraíra,
como que por magia, tinha deixado de ali estar presente. Ai deu-se o impacto
contra um dos imensos moveis, unicamente este, tinha portas frontais, em parte envidraçadas e completamente
“estanque”, ao contrário dos outros que
eram todos moveis abertos, onde os livros estavam acessíveis facilmente.
Com o impacto, teve uma perda momentânea de
lucidez, por momentos ele esteve como que inconsciente. De repente, viu-se a
correr pelo corredor que fazia a perpendicularidade que ocasionou o acidente, de
mão dada com aquela figura enigmática. Olhando para o móvel onde tinha sofrido
o impacto, viu por segundos, aprisionado, dentro desse mesmo móvel estanque, alguém,
uma figura masculina, não o reconheceu, mas também como poderia reconhecer, se
ele só conhecia a imagem do seu irmão, nem mesmo da sua própria imagem ele
tinha noção, pois neste lugar, não havia sequer espelhos. Os espelhos só são
necessários quando precisamos de ver algo que não conseguimos ver através do
coração e no seu lar, nunca precisou de se ver num espelho, pois unicamente o
que entendia da sua imagem, era o que seu irmão de si reflectia e isso
bastava-lhe.
Sem qualquer palavra até então, continuou a
seguir aquele ímpeto desconhecido e por consequência seguindo uma aparente fuga,
só que agora, já não sentia a proximidade e familiaridade daquele lugar, já nem
se lembrava por que estava em fuga, só sabia que era estranho ali e que deveria
sair o mais rápido dali, pois devia ter invadido um espaço alheio. E quem era
aquela mulher, sim pois agora percebia-se que esta figura era definidamente uma
mulher. Certamente que seria alguém que o ajudava a salvar-se de tal embrulhada
em que se teria metido. Não a questionou, apenas se sentiu atraído por ela e
grato pela ajuda, continuando a correr juntos, de mãos dadas com ela.
No final do imenso corredor, já com ela na
frente, dirigiram-se para uma porta, abrindo-a, saíram para umas escadas,
imensas, intermináveis que sem parar, começaram a descer de imediato. A
velocidade de descida era alucinante, as escadas estavam mal iluminadas e sendo
no interior dum edifico, a luz natural era inexistente. Ele sentiu que a
qualquer momento poderia cair devido à pouca visibilidade dos degraus que
descia e pela primeira vez falou-lhe:
- Deveria haver uma maior visibilidade dos
degraus: disse ele.
Ela parando e pela primeira vez olhando-o nos
olhos disse: - Sou eu, sou eu.
Sem mais palavra, começou novamente a descer precipitadamente
as escadas que pareciam intermináveis.
Como que por magia, ou de novo, por perda de consciência,
viu-se de repente fora do edifício do qual tentava fugir, mas continuavam a
correr de mãos dadas. Desta vez corriam por um prado, situado num planalto
cheio de verdes primaveris salpicados por várias outras cores que inúmeras espécies
de flores proporcionavam. Era de facto um sitio lindo. Correndo numa única direcção
que certamente ela conhecia o destino e o objectivo, ele
deixou-se levar.
No meio do imenso prado, havia grupos de mesas
de jardim, onde grupos de pessoas se encontravam. Eram vários e espalhados por
este enorme prado. À sua passagem, estes seres, simplesmente olhavam, sem
sequer achar estranho, como que sabendo que eles ali iriam passar, ou que pelo
menos essa seria, um dia, uma possibilidade. No seus rostos não havia um ar de
condenação, mas também não havia qualquer aprovação, ou expressão de
reconhecimento, simplesmente um ar de resignação, perante algo que poderia
acontecer. Ele olhando para as suas expressões, mais intrigado ficou. Quem eram
estes seres? Porque estavam em grupos, serenos, mas distantes, uns dos outros? Porquê
nenhum deles, expressou qualquer surpresa à passagem de seres que nunca lia tinham
estado? Porquê aqueles ares de resignação?
- Estranho: pensou ele.
Com este pensamento na mente, passaram por
todos esses grupos que ali se encontravam. De repente já perto do que parecia
um posto terminal de onde se situava a saída desse lugar, como
que um posto terminal de teleférico ou um enorme elevador que brevemente
chegaria, certamente para os tirar dali. Ela parou e colocou-se de frente para
ele. Pela primeira vez ele teve oportunidade de ver a sua figura com calma. Era
de facto uma mulher bonita e ele sentiu-se atraído por ela, levando-o tal
sentimento a aproximar os seu lábios dos dela, ao que ela retribuiu, simultaneamente.
Por momentos, tornaram-se um só, no gesto desse demorado beijo.
Lenta e delicadamente ela afastou a sua boca
da dele e fez-lhe um gesto, no sentido de ele olhar para o que estava atrás de
si. Ai ele ao olhar para traz, viu um castelo, lindo que se encontrava no cume
de uma montanha não muito longe desse prado. Como que envolto numa neblina
clara, com o prado no seu sopé, era uma imagem maravilhosa, um quadro celestial.
Por momentos ele sentiu que estava a abandonar a sua proporia casa, o seu
verdadeiro lar. Era certamente dai que tinha fugido. Mas porquê? Teve medo de
perguntar e não o faz.
Nesse instante ela disse-lhe: - Só te peço que
nunca “o” recordes disto, pois facilmente ele se libertará.
Com estas palavras e de novo ele se encontrou fora
desse cenário, voltando ao estado de consciência, encontrou-se deitado na sua
cama, ao meio da madrugada do dia 9 de Fevereiro de 2012.
Ainda meio aturdido, consciente do que era tudo
aquilo. Tudo ficou claro para si. Emocionou-se e agradeceu pela resposta que
tanto pediu e que finalmente lhe tinha sido concedida. Finalmente adormeceu,
calmo, sabendo a resposta que tanto procurou e que tanto o angustiou, por
tantos anos, nesta sua breve vida.