“A culpa nasce como uma mulher que viverá sempre condenada a morrer
solteira”
Quase sempre, quando vejo na
opinião de todos, expressando os queixumes sobre a sua sorte, em permanência e
em todos, vejo e revejo questões e lugares comuns.
Seja o simples cidadão
queixando-se de sua sorte e atribuindo essa sorte, a fatores e atores que não a
ele próprio, pois que sua incapacidade, por ser apenas isso mesmo, um simples
cidadão, não permite aceitar, ser ele o culpado de si mesmo. Como pode alguém,
sem poder algum, um simples cidadão, responder pelo que a vida lhe traz?!
A culpa é sempre dos que exercem
o poder – os governantes, do seu chefe, do seu vizinho, de seus inimigos que o
prejudicam constantemente. Nunca ouviremos alguém afirmar que forma perentória
– “Sou eu que crio a minha condição, é minha permissividade, são as minhas
atitudes de forma mais ativa ou passiva que geram o atual resultado a que chamo
vida”.
Mais hilariante ainda é olhar
para o resto da humanidade, de forma geral, e na forma como se organiza
percebemos sempre o mesmo padrão de autovitimização, subindo de nível na
organização das sociedades humanas, apenas mudam os fatores que tentam a
justificação, no entanto, o modus-operandi que traz tal desculpabilização é, na
sua base, o mesmo.
Para os governantes de um
determinado país, a culpa dos maus resultados é sempre devido a fatos externos,
ou de anteriores gestões. Para as instituições responsáveis por gerenciar as
grandes questões comuns da humanidade – pobreza, guerras, fome, etc., os
redondos falhanços dos programas de longo prazo que consomem milhões, são
sempre devido a todo um conjunto de fatores externos. Mas nunca, em momento
algum, até hoje, ouvi dizer de forma clara, a qualquer mandatário desta ou
aquela instituição ou órgão de poder – “Falhamos, somos culpados, não falhamos
sozinhos, mas falhamos e por isso devemos refletir sobre a origem de tais
resultados…”
Só com tal ato de humildade,
seria possível começar a usar os erros como autênticos mecanismos de avanço
para a humanidade como um todo. Para isso seria necessário que cada ser humano,
cada individuo, o faça per si, pois não nos esqueçamos que quem nos governa um
dia já foi governado, quem comanda um dia já foi comandado - nasceu, cresceu,
foi educado, foi influenciado por códigos e preceitos que envolvem a sociedade
como um todo.
Eu vivo a minha vida certo que
ela é apenas o reflexo do que eu permito que ela seja, eu sei que as minhas
ações de ontem e hoje, influenciarão de forma clara o meu amanhã. Não tenho o
mínimo de dúvidas que o meio que me envolve, o conjunto de outros seres humanos
e circunstancias que suas interações originam, são na verdade, tão e somente
influenciadores do meu futuro, se eu o possibilitar, e na medida em que eu o
permitir.
Sendo eu consciente disto, como
posso afirmar que a minha vida é definida em função de momentos do acaso, onde
a sorte e o azar jogam tudo, e eu apenas assisto às suas vontades, como um mero
espetador?
Como podem vocês viver a vida
desculpabilizam-se eternamente com medo a enfrentar fracassos que todos teremos
que ter para um dia aprender e assim ter a oportunidade de vencer?
A humanidade instituiu
socialmente como aceite e como padrão, uma cultura de cobardia social, moral e
espiritual, em troco de uma falsa imagem, usando este processo de vitimização
que todos poderão usar, como forma de justificar e classificar algo que deveria
ser chamado pelos seus verdadeiros nomes – falta de coragem - representada pela
cobardia, a preguiça e acídia, a falsidade social, a ética e moral, maquilhadas
numa cosmética social que todos vivem mas todos preferem fazer de conta não
existir.
Desta forma criamos a nossa
própria prisão e condenamo-nos em permanência à incapacidade de sair dela, pois
o mesmo processo que criou tais grades, representada pela falta de
autoafirmação no controlo sobre os nossos atos, fez desaparecer as chaves que
poderiam abrir a fechadura que nos mantem confinados dentro destas grades,
representado no que cada um observa dentro de si próprio, se olhar lá bem no
fundo de si, e perceber a falta de coragem que teria, se tivesse que mostrar ao
mundo todos os seus receios, incapacidades, pontos fracos e todos os outros
fantasmas que acompanham.
Pense nisto e quando sentir
necessidade de perguntar – “Porquê todos se desculpabilizam e ninguém assume
suas responsabilidades?”
Pense primeiro em si, e
pergunte-se se seria capaz de divulgar ao mundo seus mais profundos segredos,
aqueles que só você conhece sobre si. Aqui encontrará a resposta à sua
pergunta.
Aquilo que a humanidade considera
como sua realidade, só o é, porque existe nela, paradigmaticamente a
representação e aceitação coletiva do que todos entendem como conjunto de
verdades e seus princípios instituídos. Paradoxalmente essa realidade é
construída e assente em tudo, menos no que é genuinamente cada um de nós. Como
partes de um todo, juntos formamos essa farsa, também conhecida como - realidade.
É paradoxal pensar que aquilo que
a humanidade constitui, agindo com base nesta ocultação de si mesma, é, e pode
continuar a ser considerada como realidade = espelho de uma verdade coletiva,
quando por si, representa não o que somos, mas o que precisamos de ser, em
função do julgamento dos outros.
Sei que nestas palavras não
encontrará a solução para o problema, mas apenas uma explicação cabal para
satisfazer sua razão, quando ela (razão) confusa, pergunta sobre o porquê. Na
verdade a solução não existe. Pois existe este paradigma que gera a prisão e seu
paradoxo que não permite a nossa libertação, ambos, fazem parte do
modus-operandi que é parte da própria matriz da existência nestas condições e
dimensão a que chamamos vida.
“AC”