"Quem tem olhos que veja, quem tem coração que sinta" AC
PRIMEIRA
PARTE: BRASÃO
Bellum
sine bello.
I. OS CAMPOS
PRIMEIRO / O DOS
CASTELOS
A Europa jaz, posta
nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente
jaz, fitando,
E toldam-lhe
românticos cabelos
Olhos gregos,
lembrando.
O cotovelo esquerdo é
recuado;
O direito é em ângulo
disposto.
Aquele diz Itália onde
é pousado;
Este diz Inglaterra
onde, afastado,
A mão sustenta, em que
se apoia o rosto.
Fita, com olhar
sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do
passado.
O rosto com que fita é Portugal.
(…)
TERCEIRA
PARTE: O ENCOBERTO
Pax
in excelsis.
I. OS SÍMBOLOS
PRIMEIRO / D.
SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal
e na hora adversa
Que Deus concede aos
seus
Para o intervalo em
que esteja a alma imersa
Em sonhos que são
Deus.
Que importa o areal e
a morte e a desventura
Se com Deus me
guardei?
É O que eu me sonhei
que eterno dura
É Esse que
regressarei.
SEGUNDO / O QUINTO
IMPÉRIO
Triste de quem vive em
casa,
Contente com o seu
lar,
Sem que um sonho, no
erguer de asa
Faça até mais rubra a
brasa
Da lareira a
abandonar!
Triste de quem é
feliz!
Vive porque a vida
dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da
raiz
Ter por vida a
sepultura.
Eras sobre eras se
somem
No tempo que em eras
vem.
Ser descontente é ser
homem.
Que as forças cegas se
domem
Pela visão que a alma
tem!
E assim, passados os
quatro
Tempos do ser que
sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no
atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma,
Cristandade,
Europa — os quatro se
vão
Para onde vai toda
idade.
Quem vem viver a
verdade
Que morreu D.
Sebastião?
TERCEIRO / O DESEJADO
Onde quer que, entre
sombras e dizeres,
Jazas, remoto,
sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de
não-seres
Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com
pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da
suprema prova,
A alma penitente do
teu povo
À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue
teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em
jeito tal
Que sua Luz ao mundo
dividido
Revele o Santo Graal!
QUARTO / AS ILHAS
AFORTUNADAS
Que voz vem no som das
ondas
Que não é a voz do
mar?
E a voz de alguém que
nos fala,
Mas que, se
escutarmos, cala,
Por ter havido
escutar.
E só se, meio
dormindo,
Sem saber de ouvir
ouvimos
Que ela nos diz a
esperança
A que, como uma
criança
Dormente, a dormir
sorrimos.
São ilhas afortunadas
São terras sem ter
lugar,
Onde o Rei mora
esperando.
Mas, se vamos
despertando
Cala a voz. e há só o
mar.
QUINTO / O ENCOBERTO
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o
Destino,
A Rosa que é o Cristo.
Que símbolo final
Mostra o sol já
desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
II. OS AVISOS
PRIMEIRO / O BANDARRA
Sonhava, anônimo e
disperso,
O Império por Deus
mesmo visto,
Confuso como o
Universo
E plebeu como Jesus
Cristo.
Não foi nem santo nem
herói,
Mas Deus sagrou com
Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português, mas
Portugal.
SEGUNDO / ANTÓNIO
VIEIRA
O céu 'strela o azul e
tem grandeza.
Este, que teve a fama
e à glória tem,
Imperador da língua
portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu
de meditar,
Constelado de forma e
de visão,
Surge, prenúncio claro
do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é
luz do etéreo.
É um dia, e, no céu
amplo de desejo,
A madrugada irreal do
Quinto Império
Doira as margens do
Tejo.
TERCEIRO
'Screvo meu livro à
beiramágoa.
Meu coração não tem
que ter.
Tenho meus olhos
quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te
pensar
Meus dias vácuos enche
e doura.
Mas quando quererás
voltar?
Quando é o Rei? Quando
é a Hora?
Quando virás a ser o
Cristo
De a quem morreu o
falso Deus,
E a despertar do mal
que existo
A Nova Terra e os
Novos Céus?
Quando virás, ó
Encoberto,
Sonho das eras
português,
Tornar-me mais que o
sopro incerto
De um grande anseio
que Deus fez?
Ah, quando quererás
voltando,
Fazer minha esperança
amor?
Da névoa e da saudade
quando?
Quando, meu Sonho e
meu Senhor?
III. OS TEMPOS
PRIMEIRO / NOITE
A nau de um deles
tinha-se perdido
No mar indefinido.
O segundo pediu
licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta, ir em
procura
Do irmão no mar sem
fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem
primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria
por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a
El-Rei rogou
Licença de os buscar,
e El-Rei negou.
Como a um cativo, o
ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem
a figura
Da febre e da
amargura,
Com fixos olhos rasos
de ânsia
Fitando a proibida
azul distância.
Senhor, os dois irmãos
do nosso Nome
— O Poder e o Renome —
Ambos se foram pelo
mar da idade
À tua eternidade;
E com eles de nós se
foi
O que faz a alma poder
ser de herói.
Queremos ir buscá-los,
desta vil
Nossa prisão servil:
É a busca de quem
somos, na distância
De nós; e, em febre de
ânsia,
A Deus as mãos
alçamos.
Mas Deus não dá
licença que partamos.
SEGUNDO / TORMENTA
Que jaz no abismo sob
o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder
ser.
Que inquietação do
fundo nos soergue?
O desejar poder
querer.
Isto, e o mistério de
que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o
vento ruge,
O relâmpago, farol de
Deus, um hausto
Brilha e o mar 'scuro
'struge.
TERCEIRO / CALMA
Que costa é que as
ondas contam
E se não pode
encontrar
Por mais naus que haja
no mar?
O que é que as ondas
encontram
E nunca se vê
surgindo?
Este som de o mar
praiar
Onde é que está
existindo?
lha próxima e remota,
Que nos ouvidos
persiste,
Para a vista não
existe.
Que nau, que armada,
que frota
Pode encontrar o
caminho
A praia onde o mar
insiste,
Se à vista o mar é
sozinho?
Haverá rasgões no
espaço
Que dêem para outro
lado,
E que, um deles
encontrado,
Aqui, onde há só
sargaço,
Surja uma ilha velada,
O país afortunado
Que guarda o Rei
desterrado
Em sua vida encantada?
QUARTO / ANTEMANHÃ
O mostrengo que está
no fim do mar
Veio das trevas a
procurar
A madrugada do novo
dia
Do novo dia sem acabar
E disse: Quem é que
dorme a lembrar
Que desvendou o
Segundo Mundo
Nem o Terceiro quere
desvendar?
E o som na treva de
ele rodar
Faz mau o sono, triste
o sonhar,
Rodou e foi-se o
mostrengo servo
Que seu senhor veio
aqui buscar.
Que veio aqui seu
senhor chamar —
Chamar Aquele que está
dormindo
E foi outrora Senhor
do Mar.
QUINTO / NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem
paz nem guerra,
Define com perfil e
ser
Este fulgor baço da
terra
Que é Portugal a
entristecer —
Brilho sem luz e sem
arder,
Como o que o
fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa
quer.
Ninguém conhece que
alma tem,
Nem o que é mal nem o
que é bem.
(Que ânsia distante
perto chora?)
Tudo é incerto e
derradeiro.
Tudo é disperso, nada
é inteiro.
Ó Portugal, hoje és
nevoeiro...
É a Hora!
Sem comentários:
Enviar um comentário