quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Mensagem


Estando numa ala mais elevada da seu “lar”, o ser sentiu-se tomado por um incontrolável sentimento de paixão. Aquela figura feminina que ali se encontrava à sua frente, sem mesmo ele saber quem ela era, tinha tomado o controlo de “todo” o seu ser .
A tal turbilhão de sentimentos, juntou-se-lhe um outro de angustia, quando de uma ala mais baixa, surge o chamamento de uma voz. Esta, era-lhe conhecida, familiar, sua companhia diária, alguém com quem “sempre” partilhou tudo.
Ao chamamento deste seu “irmão”, espantosamente ele respondeu com um reacção pouco comum. Sem lhe responder, abriu a porta que dava para um imenso espaço “quase” infinito de enormes e labirínticos corredores de moveis carregados de todo o tipo de livros, percebeu que ele vinha na sua direcção enquanto o chamava. Sem sequer pensar mais, tomado pelos sentimentos desconhecidos que a presença daquela figura feminina lhe proporcionavam, pegou-lhe na mão e dirigiram-se rapidamente para um carro que ali se encontrava.
Descendo da ala mais elevada onde se encontravam, para a ala abaixo da habitação, sim mesmo no próprio interior da seu “lar”, entraram no automóvel, este, estava em perfeito estado de conservação, descapotável, marca Mercedes cor cinza metalizado, mas seria o que nós entenderíamos por um modelo de colecção dos anos 60. Rapidamente, enquanto o seu “irmão” entrava pela outra porta de acesso à “ala superior” procurando-o, eles, saiam a grande velocidade por um corredor imenso, gigantesco, ladeados por enormes moveis de incomensuráveis quantidades de livros.
O querer fugir de seu “irmão” era tal, que ele nem se apercebeu da enorme velocidade que levava, perdendo por completo a capacidade de mudar de direcção ou parar, quando o corredor terminou e deu lugar a uma saída, outro corredor perpendicular. Nestes breves segundos, ele sentiu que ia sozinho no automóvel que a tal figura feminina que tanto o atraíra, como que por magia, tinha deixado de ali estar presente. Ai deu-se o impacto contra um dos imensos moveis, unicamente este, tinha portas frontais, em parte envidraçadas e  completamente “estanque”, ao contrário dos outros  que eram todos moveis abertos, onde os livros estavam acessíveis facilmente.
Com o impacto, teve uma perda momentânea de lucidez, por momentos ele esteve como que inconsciente. De repente, viu-se a correr pelo corredor que fazia a perpendicularidade que ocasionou o acidente, de mão dada com aquela figura enigmática. Olhando para o móvel onde tinha sofrido o impacto, viu por segundos, aprisionado, dentro desse mesmo móvel estanque, alguém, uma figura masculina, não o reconheceu, mas também como poderia reconhecer, se ele só conhecia a imagem do seu irmão, nem mesmo da sua própria imagem ele tinha noção, pois neste lugar, não havia sequer espelhos. Os espelhos só são necessários quando precisamos de ver algo que não conseguimos ver através do coração e no seu lar, nunca precisou de se ver num espelho, pois unicamente o que entendia da sua imagem, era o que seu irmão de si reflectia e isso bastava-lhe.
Sem qualquer palavra até então, continuou a seguir aquele ímpeto desconhecido e por consequência seguindo uma aparente fuga, só que agora, já não sentia a proximidade e familiaridade daquele lugar, já nem se lembrava por que estava em fuga, só sabia que era estranho ali e que deveria sair o mais rápido dali, pois devia ter invadido um espaço alheio. E quem era aquela mulher, sim pois agora percebia-se que esta figura era definidamente uma mulher. Certamente que seria alguém que o ajudava a salvar-se de tal embrulhada em que se teria metido. Não a questionou, apenas se sentiu atraído por ela e grato pela ajuda, continuando a correr juntos, de mãos dadas com ela.
No final do imenso corredor, já com ela na frente, dirigiram-se para uma porta, abrindo-a, saíram para umas escadas, imensas, intermináveis que sem parar, começaram a descer de imediato. A velocidade de descida era alucinante, as escadas estavam mal iluminadas e sendo no interior dum edifico, a luz natural era inexistente. Ele sentiu que a qualquer momento poderia cair devido à pouca visibilidade dos degraus que descia e pela primeira vez falou-lhe:
- Deveria haver uma maior visibilidade dos degraus: disse ele.
Ela parando e pela primeira vez olhando-o nos olhos disse: - Sou eu, sou eu.
Sem mais palavra, começou novamente a descer precipitadamente as escadas que pareciam intermináveis.
Como que por magia, ou de novo, por perda de consciência, viu-se de repente fora do edifício do qual tentava fugir, mas continuavam a correr de mãos dadas. Desta vez corriam por um prado, situado num planalto cheio de verdes primaveris salpicados por várias outras cores que inúmeras espécies de flores proporcionavam. Era de facto um sitio lindo. Correndo numa única direcção que certamente ela conhecia o destino e o objectivo, ele deixou-se levar.
No meio do imenso prado, havia grupos de mesas de jardim, onde grupos de pessoas se encontravam. Eram vários e espalhados por este enorme prado. À sua passagem, estes seres, simplesmente olhavam, sem sequer achar estranho, como que sabendo que eles ali iriam passar, ou que pelo menos essa seria, um dia, uma possibilidade. No seus rostos não havia um ar de condenação, mas também não havia qualquer aprovação, ou expressão de reconhecimento, simplesmente um ar de resignação, perante algo que poderia acontecer. Ele olhando para as suas expressões, mais intrigado ficou. Quem eram estes seres? Porque estavam em grupos, serenos, mas distantes, uns dos outros? Porquê nenhum deles, expressou qualquer surpresa à passagem de seres que nunca lia tinham estado? Porquê aqueles ares de resignação?
- Estranho: pensou ele.
Com este pensamento na mente, passaram por todos esses grupos que ali se encontravam. De repente já perto do que parecia um posto terminal de onde se situava a saída desse lugar, como que um posto terminal de teleférico ou um enorme elevador que brevemente chegaria, certamente para os tirar dali. Ela parou e colocou-se de frente para ele. Pela primeira vez ele teve oportunidade de ver a sua figura com calma. Era de facto uma mulher bonita e ele sentiu-se atraído por ela, levando-o tal sentimento a aproximar os seu lábios dos dela, ao que ela retribuiu, simultaneamente. Por momentos, tornaram-se um só, no gesto desse demorado beijo.



Lenta e delicadamente ela afastou a sua boca da dele e fez-lhe um gesto, no sentido de ele olhar para o que estava atrás de si. Ai ele ao olhar para traz, viu um castelo, lindo que se encontrava no cume de uma montanha não muito longe desse prado. Como que envolto numa neblina clara, com o prado no seu sopé, era uma imagem maravilhosa, um quadro celestial. Por momentos ele sentiu que estava a abandonar a sua proporia casa, o seu verdadeiro lar. Era certamente dai que tinha fugido. Mas porquê? Teve medo de perguntar e não o faz.
Nesse instante ela disse-lhe: - Só te peço que nunca “o” recordes disto, pois facilmente ele se libertará.
Com estas palavras e de novo ele se encontrou fora desse cenário, voltando ao estado de consciência, encontrou-se deitado na sua cama, ao meio da madrugada do dia 9 de Fevereiro de 2012.
Ainda meio aturdido, consciente do que era tudo aquilo. Tudo ficou claro para si. Emocionou-se e agradeceu pela resposta que tanto pediu e que finalmente lhe tinha sido concedida. Finalmente adormeceu, calmo, sabendo a resposta que tanto procurou e que tanto o angustiou, por tantos anos, nesta sua breve vida.

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