Ainda
na minha juventude, um dos livros que recordo ler, foi “O eleito de Thomas Mann”,
este trata sobre a vida de um ser que nasce resultado de uma relação incestuosa
e que se veio a tornar no papa. Quando surge a notícia da abdicação de Bento
XVI, por sinal, tendo sido o primeiro a abdicar enquanto tal, vem-me logo à
memória Thomas Mann e “O eleito”. No livro, mesmo parecendo um romance que
recorrer à ficção histórica, era assim que eu o via na época, para quem o venha
a interpretar mais meticulosamente, acaba por detetar todo um conjunto de informações
que estão para além do simples romance ficcionado. Ao contrário que se pensa,
este livro usa o estilo romance, mas recorrer a pesquisa histórica séria e aos
valores espirituais para trazer muitos dos acontecimentos que terminam por
fazer parte do livro.
A
imagem literária que o autor pretende transmitir, com o assunto do incesto, num
sentido alegórico velado, entra no tema da dualidade humana que se esconde em
todas as relações, inclusive na Santa Sé e nas suas hierarquias, ao mais alto
nível. Não propriamente só no ato aqui representado pelo incesto, mas em todo o
conceito de bem e do mal / do certo e do errado que a sociedade afirma só possível
acontecer com certos seres humanos – os maus, aqueles que têm uma génese de maldade,
quando na verdade, absolutamente todos, em determinados momentos da nossa vida,
apresentamos essa característica a que todos estamos relegados – A DUALIDADE. Somos
seres duais, aprisionados numa condição percetiva trina, este é o verdadeiro
sentido velado do livro de Thomas Mann e aqui muito desse verdadeiro
significado cruzam-se as motivações reais de Bento XVI com as de Gregório VIII.
Enquanto
seres incapazes de perceber em plenitude uma determinada condição na sua
totalidade, olhamos para ela, vendo um só ponto da escala e se esse ponto se
aproximar, mais ou menos dos interesses benéficos para nós, percebemo-la como melhor
ou pior, unicamente em função dessa perspetiva limitada em função do nosso aparente
interesse. Por exemplo – Para nós, seres humanos é condenável matar um outro ser
humano, mas em certas condições, como numa guerra, quem acomete sobre a vida de
outro ser humano, que está oposto no campo de batalha, até pode ser considerado
um herói.
Outro
exemplo – Para a humanidade em geral é condenável mentir, mas muitos do que se
chama segredos de estado, não são mais que mentiras dos que governam sobre os
que são governados. Estes são dois extremos de uma escala, nos dois exemplos,
mas dentro dessa escala podemos verificar um conjunto de pontos em que no
dia-a-dia todos nos focamos, ou seja, estes são exemplos extremos, mas dentro
destes, surgem todo um conjunto de possibilidades menos extremas, mas em todas
elas, permanece essa dualidade – A comparação entre um ponto na escala de um outro
ponto desse evento/acontecimento/ação.
A
dualidade é uma incapacidade para entender a existência no seu todo, tanto para
quem tenta perceber, como para quem a executa, em parte, enquanto ato ou evento.
Perceberemos sempre no interesse da nossa perspetiva e tudo o que executamos
será também sempre, consciente ou inconscientemente, na condição dual, no melhor
interesse para nós. Ninguém está fora deste condição a que o ser humano está
condenado, pois ela é parte fundamental na constituição da ego-personalidade.
Sendo esta que nos condena à dualidade e aos efeitos negativos a que ela nos
remete, é também ela que nos garante a condição que nos sentirmos existir – eu sou.
O
ato deste dois seres que por sinal, desempenhando funções de papa em épocas diferentes,
abdicam por motivos aparentemente diferentes, na verdade, têm mais em comum do
que possamos percecionar à primeira vista. Muito embora, os códices que regem
as sociedades das duas épocas sejam diferentes, levando a que aparentemente os
motivos do ato, apresentem diferenças, mas na génese dos dois atos, está a
sabedoria que reside em ambos os seres de perceber essa dualidade em tudo o que
é a vida, em todos os seres humanos, tendo plena cons-ciência que todos estamos
sob os seus efeitos e ninguém vive acima dela enquanto ser na condição MALKUT.
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