domingo, 7 de abril de 2013

Aprender a viver para sobreviver.


Nascemos e as primeiras aprendizagens que temos que fazer, relacionam-se com os processos fisiológicos involuntários que nos irão permitir viver no corpo que nos servirá de morada nesta existência. Para isso, o primeiro ato representado na primeira expressão humana que manifestamos através do choro, serve para iniciar o nosso aparelho respiratório, naquela que é a prioridade após a separação física com a progenitora – o rompimento do cordão umbilical.
A luta seguinte, no processo de sobrevivência fisiológico, acontece através da nossa capacidade de comunicar e da progenitora percecionar que precisamos de comer, pois esse mesmo cordão umbilical, garantia-nos o suporte de vida, levando-nos oxigénio e nutrientes que nos alimentavam. Assim, quando necessário, novamente usando a primeira forma de comunicação humana, o choro, informamos que precisamos de nos alimentar.  
Com o passar do tempo, vamos aprendendo a dominar os processos físicos e mentais que nos permitem sobreviver, quer os involuntários quer alguns dos voluntários que fazem depender essa sobrevivência. Todos os processos que tenham por base a sobrevivência, dependem em muito, da forma de perceber o mundo que nos rodeia. O maior ou melhor desenvolvimento dessas capacidades percetivas, depende da nossa capacidade de comunicarmos com os outros, mas também da forma como essa comunicação pode ser feita. Assim, dependemos de três pressupostos – a capacidade percetiva da fonte, o tipo de meio de comunicação e a capacidade percetiva do destino.
 A primeira grande prioridade do ser humano é sobreviver, todos os processos que fazem depender essa sobrevivência são cumpridos com rigor, treinamos e repetimos vezes sem conta, até dominar em plenitude esses processos, pois sem uma eficiência plena do seu domínio, não sobreviveremos e aí, extingue-se a existência. Como esta necessidade é, em termos gerais, igual para todo o organismo humano, então, acabamos por criar um conjunto comum de capacidades involuntárias e voluntárias que unicamente servem para garantir a manutenção da vida, daí o sermos semelhantes em muitas competências, modos de ser e estar.
Aprender a respirar, comer, falar, andar, correr, etc., são necessidades básicas, que necessitam de responder às necessidades que fisiologicamente um corpo humano obriga a cumprir para poder sobreviver, assim porque todos os corpos humanos são idênticos, por sua vez, têm as mesmas necessidades, daí as capacidades que todos desenvolvemos serem idênticas. 
Já quando partimos para a interpretação e compreensão que temos sobre eventos que não são aparentemente nucleares para essa nossa sobrevivência, tudo muda, pois, como não têm um padrão de exigência vital no que aos aspetos fisiológicos se refere, acabamos por desenvolver capacidades diferentes e muitas vezes dentro dessas, níveis diferentes de desenvolvimento. Isso torna o mundo como ele é, ou seja, olhando de longe para o ser humano, aparentemente somos iguais, pois portamo-nos dentro dos mesmos padrões – caminhamos, falamos, alimentamo-nos, trabalhamos, choramos, rimos, etc., mas quando nos aproxima-nos de um ser humano em concreto e com ele nos relacionamos, percebemos que ele é diferente – gostamos de coisas diferentes, temos ideais diferentes, sonhos, modos de viver a vida, etc. Mas principalmente, devido à forma diferente como desenvolvemos as capacidades não básicas para a sobrevivência física, percebemos o mundo de forma completamente diferente.  
O meu Mestre, costuma afirmar que todos os males do mundo, todos os desentendimentos, dor, vingança, medo, apegos, em suma, todo o ego, depende e é alimentado por este fato – a acídia que tivemos enquanto raça para elevar o nosso estado de entendimento geral sobre os temas subjetivos, da mesma forma como levamos o desenvolvimento das capacidades para os assuntos objetivos, os tais básicos para que a vida física se mantenha.
Pela enorme incapacidade que a linguagem humana tem que representar os profundos significados das perceções plenas, devemos ter o devido cuidado de manter sempre presente que tal incapacidade, de lhes dar esse significado, existe porque a nossa interpretação depender do nosso estado de entendimento, aquilo que muitos designam por estado de consciência. 
Muito se ouve falar sobre a evolução espiritual, muitos são os termos e conceitos que a tentam explicar, mas de todos os que tenho conhecido até aqui, nenhum deles é suficientemente claro e capaz de fazer aquilo para que servem os conceitos e definições – comunicar. Levar a entender plenamente aquilo que está representado nele e daí gerar benefícios efetivos no dia-a-dia que quem os interpreta.
O engano em que resultam as compreensões que têm origem nas muitas explicações - o que é, o que significa, o representa e onde nos leva a tal “evolução espiritual”, só beneficia o descredito que em geral, depois se cria sobre a verdadeira espiritualidade, os seus processos de evolução e os benefícios que deles resultam.
Assim a questão que importa levantar antes de tudo e para compreender a pertinência do propósito daquele que é o chamamento que dentro de cada um permanece incessantemente é - O que é a evolução espiritual e para onde nos leva, como nos pode beneficiar?
Evolução espiritual é um caminho, mas um caminho que nos leva de um estado de consciência a outro. A alteração do estado em que todos nos encontramos, em geral, designa-se ou deveria designar-se disso mesmo – evolução espiritual. Parte-se de um estado de ignorância para um estado de plenitude de consciência, ou se pretenderem, de SABEDORIA. Muitas filosofias e religiões autênticas designam e bem, de – passar da escuridão para a LUZ. A única critica aqui, é, ao se usarem sentidos figurados, esses, não geram os entendimentos necessários nos seguidores ou crentes e isso origina interpretações equivocadas, por sua vez, resultando no que se vê como padrão – a imensidão da humanidade perdida, dirigindo-se por caminhos que levam a nenhures.  
Assim é fundamental perceber profundamente o que significam os termos e conceitos e aqui poderemos começar pelo que representa a SABEDORIA ou LUZ. Como estuda e afirma o hermetismo, estas, estão representadas no termo – cientificação. Provavelmente este seja o único termo que agrega na plenitude tudo o que é possível expressar, em linguagem humana, no que está contido no verdadeiro sentido do termo LUZ ou SABEDORIA, mas para isso importa entender que essa cientificação representa, para assim, não se cair nos mesmos erros, julgando que basta tentar interpretar o termo em si.
Na verdade, cientificação, é um processo que vai desde a interpretação do termo/evento, passando pela profunda reflexão sobre o mesmo, até que um dia, vindo de dentro de nós, surge a tal ILUMINAÇÃO sobre o que ele representa. Este processo é algo que as palavras e qualquer linguagem humana, não consegue descrever em plenitude, mas podemos chamar-se o momento “Eureka”.
Então poderemos aprender a designar o objetivo da tal evolução espiritual, como sendo o caminho que nos levará à plena cientificação, mais tarde, entenderemos plenamente o que essa cientificação representa. Mas para já fique a ideia, estar em estado de plena LUZ/ILUMINAÇÃO, em pleno estado de SABEDORIA, significa estar plenamente CIENTIFICADO – ter pleno entendimento, ser claro de consciência.
Na linguagem Hermética, em particular e esotérica em geral, importa também diferenciar os termos – compreender e entender. Compreendemos quando nos damos conta de, entendemos quando depois de nos darmos conta, analisamos, refletimos e obtemos a partir daí todas as sensações interpretativas sobre o tema/evento. Significando isto que temos pleno domínio sobre o processo/evento em si.
Para o senso comum, ter entendimento sobre algo, representa saber o que “esse algo” significa, que existe, como existe, mas na verdade isso, apenas representa o estado de compreensão e não do entendimento, muito menos o entendimento pleno. Veja um exemplo – Sabemos o que representa o tempo cronológico. Mas será em temos entendimento sobre ele? Compreendemos que ele gera o passado, o presente e o futuro e por julgarmos que já o conhecemos, acabamos que não entende-lo. Tanto não temos pleno entendimento sobre essa condição da existência que não controlamos, as expetativas que são geradas através dele, no que acabam por ser o que entendemos por incerteza quando ao nosso futuro, por exemplo.
Outros exemplos fulgurantes estão relacionados com o medo, a dúvida e o apego. Entendemos estas três condições da existência? Sabemos reconhecer os fatores que as originam, como elas se apresentam? Simplificando podemos afirmar que todas, absolutamente todas têm origem numa única condição – a ignorância e é inclusivamente essa condição a única responsável pelo sofrimento a que a humanidade está relegada constantemente.
O entendimento sobre a mente, é outro exemplo fulgurante do que representa a diferença entre compreensão e entendimento. Temos uma perspetiva muito superficial e apenas compreendemos o fenómeno que é a mente, mas estamos longe de entende-la. Confundimos de tal forma os termos e as suas diferenças que até confundimos aquilo que é o cérebro como sendo também a mente, isto porque apenas, olhamos para só conceitos, esquecendo o seu profundo significado, aquele que só se obtém através do entendimento. Em ambos os casos julgamos serem a mesma coisa, mas são bem diferentes. É o erro que cometemos de superficialidade na análise que nos leva a não perceber/entender e não uma incapacidade por si. 
Muitos, por não terem plenitude de entendimento, a tal cientificação acerca do fenómeno que é o tempo, o medo, a dúvida, o apego e a mente, terminam por se ver envolvidos pelos efeitos que essas condições provocam nos que não as dominam e assim, praticamente toda a humanidade vive ao sabor dos ardis destas condições. Na verdade todas as consequências do sofrimento relacionadas com as expectativas/incertezas, têm origem na falta de pleno entendimento/a cientificação sobre o tema, inerentemente, isso resulta do estado de ignorância a que o ser humano está relegado – o estado de escuridão. 
O mesmo processo que nos prepara para conseguir sobreviver fisicamente quando nascemos, paradoxalmente, impossibilita-nos de nos desenvolvermos espiritualmente. Aparentemente o envolvimento do ser humano, no processo que se dá após o nascimento e que permite construir a individualidade que nos garantirá a sobrevivência – a constituição do ego, perversamente, constitui-se como um muro que termina por se tornar o nosso maior inimigo no processo de aprendizagem de como regressar ao nosso estado original, a tal evolução espiritual – a transmutação do estado de ignorância ao estado de Sabedoria.
Os processos de aprendizagem que nos levam à perceber todos os mecanismos que nos aprisionam nesse estado e o seu entendimento, para posterior libertação deles, são na verdade, aquilo que podemos descrever como – o caminho que se percorre nessa tal “evolução espiritual”. O trabalho do alquimista, o processo de CIENTIFICAÇÃO que o estudante em Hermético leva a cabo.

In: Hermetismo para todos – a arte da libertação | Capitulo I – Aprender a viver para sobreviver.

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