Nascemos e as primeiras
aprendizagens que temos que fazer, relacionam-se com os processos fisiológicos
involuntários que nos irão permitir viver no corpo que nos servirá de morada
nesta existência. Para isso, o primeiro ato representado na primeira expressão
humana que manifestamos através do choro, serve para iniciar o nosso aparelho
respiratório, naquela que é a prioridade após a separação física com a
progenitora – o rompimento do cordão umbilical.
A luta seguinte, no processo de
sobrevivência fisiológico, acontece através da nossa capacidade de comunicar e
da progenitora percecionar que precisamos de comer, pois esse mesmo cordão
umbilical, garantia-nos o suporte de vida, levando-nos oxigénio e nutrientes
que nos alimentavam. Assim, quando necessário, novamente usando a primeira
forma de comunicação humana, o choro, informamos que precisamos de nos
alimentar.
Com o passar do tempo, vamos
aprendendo a dominar os processos físicos e mentais que nos permitem
sobreviver, quer os involuntários quer alguns dos voluntários que fazem
depender essa sobrevivência. Todos os processos que tenham por base a
sobrevivência, dependem em muito, da forma de perceber o mundo que nos rodeia.
O maior ou melhor desenvolvimento dessas capacidades percetivas, depende da
nossa capacidade de comunicarmos com os outros, mas também da forma como essa
comunicação pode ser feita. Assim, dependemos de três pressupostos – a capacidade
percetiva da fonte, o tipo de meio de comunicação e a capacidade percetiva do
destino.
A primeira grande prioridade do ser humano é sobreviver,
todos os processos que fazem depender essa sobrevivência são cumpridos com
rigor, treinamos e repetimos vezes sem conta, até dominar em plenitude esses
processos, pois sem uma eficiência plena do seu domínio, não sobreviveremos e
aí, extingue-se a existência. Como esta necessidade é, em termos gerais, igual
para todo o organismo humano, então, acabamos por criar um conjunto comum de
capacidades involuntárias e voluntárias que unicamente servem para garantir a
manutenção da vida, daí o sermos semelhantes em muitas competências, modos de
ser e estar.
Aprender a respirar, comer, falar,
andar, correr, etc., são necessidades básicas, que necessitam de responder às
necessidades que fisiologicamente um corpo humano obriga a cumprir para poder
sobreviver, assim porque todos os corpos humanos são idênticos, por sua vez,
têm as mesmas necessidades, daí as capacidades que todos desenvolvemos serem
idênticas.
Já quando partimos para a
interpretação e compreensão que temos sobre eventos que não são aparentemente
nucleares para essa nossa sobrevivência, tudo muda, pois, como não têm um
padrão de exigência vital no que aos aspetos fisiológicos se refere, acabamos
por desenvolver capacidades diferentes e muitas vezes dentro dessas, níveis diferentes
de desenvolvimento. Isso torna o mundo como ele é, ou seja, olhando de longe
para o ser humano, aparentemente somos iguais, pois portamo-nos dentro dos
mesmos padrões – caminhamos, falamos, alimentamo-nos, trabalhamos, choramos,
rimos, etc., mas quando nos aproxima-nos de um ser humano em concreto e com ele
nos relacionamos, percebemos que ele é diferente – gostamos de coisas diferentes,
temos ideais diferentes, sonhos, modos de viver a vida, etc. Mas
principalmente, devido à forma diferente como desenvolvemos as capacidades não
básicas para a sobrevivência física, percebemos o mundo de forma completamente
diferente.
O meu Mestre, costuma afirmar que
todos os males do mundo, todos os desentendimentos, dor, vingança, medo,
apegos, em suma, todo o ego, depende e é alimentado por este fato – a acídia
que tivemos enquanto raça para elevar o nosso estado de entendimento geral
sobre os temas subjetivos, da mesma forma como levamos o desenvolvimento das
capacidades para os assuntos objetivos, os tais básicos para que a vida física se
mantenha.
Pela enorme incapacidade que a
linguagem humana tem que representar os profundos significados das perceções
plenas, devemos ter o devido cuidado de manter sempre presente que tal incapacidade,
de lhes dar esse significado, existe porque a nossa interpretação depender do
nosso estado de entendimento, aquilo que muitos designam por estado de consciência.
Muito se ouve falar sobre a
evolução espiritual, muitos são os termos e conceitos que a tentam explicar,
mas de todos os que tenho conhecido até aqui, nenhum deles é suficientemente
claro e capaz de fazer aquilo para que servem os conceitos e definições – comunicar.
Levar a entender plenamente aquilo que está representado nele e daí gerar
benefícios efetivos no dia-a-dia que quem os interpreta.
O engano em que resultam as
compreensões que têm origem nas muitas explicações - o que é, o que significa,
o representa e onde nos leva a tal “evolução espiritual”, só beneficia o
descredito que em geral, depois se cria sobre a verdadeira espiritualidade, os
seus processos de evolução e os benefícios que deles resultam.
Assim a questão que importa
levantar antes de tudo e para compreender a pertinência do propósito daquele
que é o chamamento que dentro de cada um permanece incessantemente é - O que é
a evolução espiritual e para onde nos leva, como nos pode beneficiar?
Evolução espiritual é um caminho,
mas um caminho que nos leva de um estado de consciência a outro. A alteração do
estado em que todos nos encontramos, em geral, designa-se ou deveria
designar-se disso mesmo – evolução espiritual. Parte-se de um estado de
ignorância para um estado de plenitude de consciência, ou se pretenderem, de
SABEDORIA. Muitas filosofias e religiões autênticas designam e bem, de – passar
da escuridão para a LUZ. A única critica aqui, é, ao se usarem sentidos figurados,
esses, não geram os entendimentos necessários nos seguidores ou crentes e isso
origina interpretações equivocadas, por sua vez, resultando no que se vê como
padrão – a imensidão da humanidade perdida, dirigindo-se por caminhos que levam
a nenhures.
Assim é fundamental perceber
profundamente o que significam os termos e conceitos e aqui poderemos começar
pelo que representa a SABEDORIA ou LUZ. Como estuda e afirma o hermetismo,
estas, estão representadas no termo – cientificação. Provavelmente este seja o
único termo que agrega na plenitude tudo o que é possível expressar, em
linguagem humana, no que está contido no verdadeiro sentido do termo LUZ ou
SABEDORIA, mas para isso importa entender que essa cientificação representa, para
assim, não se cair nos mesmos erros, julgando que basta tentar interpretar o
termo em si.
Na verdade, cientificação, é um
processo que vai desde a interpretação do termo/evento, passando pela profunda
reflexão sobre o mesmo, até que um dia, vindo de dentro de nós, surge a tal
ILUMINAÇÃO sobre o que ele representa. Este processo é algo que as palavras e
qualquer linguagem humana, não consegue descrever em plenitude, mas podemos
chamar-se o momento “Eureka”.
Então poderemos aprender a designar
o objetivo da tal evolução espiritual, como sendo o caminho que nos levará à
plena cientificação, mais tarde, entenderemos plenamente o que essa
cientificação representa. Mas para já fique a ideia, estar em estado de plena
LUZ/ILUMINAÇÃO, em pleno estado de SABEDORIA, significa estar plenamente
CIENTIFICADO – ter pleno entendimento, ser claro de consciência.
Na linguagem Hermética, em
particular e esotérica em geral, importa também diferenciar os termos –
compreender e entender. Compreendemos quando nos damos conta de, entendemos
quando depois de nos darmos conta, analisamos, refletimos e obtemos a partir
daí todas as sensações interpretativas sobre o tema/evento. Significando isto
que temos pleno domínio sobre o processo/evento em si.
Para o senso comum, ter entendimento
sobre algo, representa saber o que “esse algo” significa, que existe, como
existe, mas na verdade isso, apenas representa o estado de compreensão e não do
entendimento, muito menos o entendimento pleno. Veja um exemplo – Sabemos o que
representa o tempo cronológico. Mas será em temos entendimento sobre ele?
Compreendemos que ele gera o passado, o presente e o futuro e por julgarmos que
já o conhecemos, acabamos que não entende-lo. Tanto não temos pleno
entendimento sobre essa condição da existência que não controlamos, as
expetativas que são geradas através dele, no que acabam por ser o que
entendemos por incerteza quando ao nosso futuro, por exemplo.
Outros exemplos fulgurantes estão
relacionados com o medo, a dúvida e o apego. Entendemos estas três condições da
existência? Sabemos reconhecer os fatores que as originam, como elas se
apresentam? Simplificando podemos afirmar que todas, absolutamente todas têm
origem numa única condição – a ignorância e é inclusivamente essa condição a
única responsável pelo sofrimento a que a humanidade está relegada
constantemente.
O entendimento sobre a mente, é
outro exemplo fulgurante do que representa a diferença entre compreensão e
entendimento. Temos uma perspetiva muito superficial e apenas compreendemos o
fenómeno que é a mente, mas estamos longe de entende-la. Confundimos de tal
forma os termos e as suas diferenças que até confundimos aquilo que é o cérebro
como sendo também a mente, isto porque apenas, olhamos para só conceitos,
esquecendo o seu profundo significado, aquele que só se obtém através do
entendimento. Em ambos os casos julgamos serem a mesma coisa, mas são bem
diferentes. É o erro que cometemos de superficialidade na análise que nos leva
a não perceber/entender e não uma incapacidade por si.
Muitos, por não terem plenitude de
entendimento, a tal cientificação acerca do fenómeno que é o tempo, o medo, a
dúvida, o apego e a mente, terminam por se ver envolvidos pelos efeitos que
essas condições provocam nos que não as dominam e assim, praticamente toda a
humanidade vive ao sabor dos ardis destas condições. Na verdade todas as
consequências do sofrimento relacionadas com as expectativas/incertezas, têm
origem na falta de pleno entendimento/a cientificação sobre o tema,
inerentemente, isso resulta do estado de ignorância a que o ser humano está
relegado – o estado de escuridão.
O mesmo processo que nos prepara
para conseguir sobreviver fisicamente quando nascemos, paradoxalmente,
impossibilita-nos de nos desenvolvermos espiritualmente. Aparentemente o
envolvimento do ser humano, no processo que se dá após o nascimento e que
permite construir a individualidade que nos garantirá a sobrevivência – a constituição
do ego, perversamente, constitui-se como um muro que termina por se tornar o
nosso maior inimigo no processo de aprendizagem de como regressar ao nosso
estado original, a tal evolução espiritual – a transmutação do estado de
ignorância ao estado de Sabedoria.
Os processos de aprendizagem que
nos levam à perceber todos os mecanismos que nos aprisionam nesse estado e o
seu entendimento, para posterior libertação deles, são na verdade, aquilo que
podemos descrever como – o caminho que se percorre nessa tal “evolução
espiritual”. O trabalho do alquimista, o processo de CIENTIFICAÇÃO que o
estudante em Hermético leva a cabo.
In: Hermetismo para todos – a arte
da libertação | Capitulo I – Aprender a viver para sobreviver.
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