quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Conto de Natal


Do cimo daquele terraço ele tinha a sensação de absoluta liberdade, pois dali, conseguia ver todo o parque e a rua que o circundava. Sempre que lhe era possível, subia até ali para observar o frenesim das pessoas que por ali passavam, era quase como ser omnipresente, pois a partir deste alto, quase que podia viver e sentir a vida de cada um que por ali circulava. Desde pequeno que se habituara a observar sem ser observado, pois este local permitia-lhe isso mesmo e deste, ele conseguia sempre conhecer genuinamente cada acto, cada emoção e cada reacção, pois quem era observado não tinha essa percepção.
Naquele dia solarengo, no lado do parque que ficava mesmo por baixo de sua casa, estava, sentado no passeio, um mendigo, certamente paraplégico, pois encontrava-se numa cadeira de rodas. Este era o seu local habitual, onde ele exercia a actividade que já o caracteriza e o ligava a este local – pedir esmolas.
 “- Certamente deverá estar a tentar conseguir algum dinheiro para fazer uma refeição decente. Há quanto tempo não terá uma refeição decente este pobre homem?” – Pensou ele.
 A hora de almoço aproximava-se e o frenesim das pessoas a saírem dos seus empregos já se fazia sentir. “ - Esta era de facto uma boa hora para tentar conseguir mais algum dinheiro para aquele mendigo.” E com este pensamento, quase que se viu na pele daquele pobre homem, levando-o a sentir um alivio quando se apercebeu que de facto não era aquela a sua condição.
Dos transeuntes que iam passando pelo mendigo, alguns iam deixando algumas moedas, dava para ver que era de facto uma boa hora para o mendigo, pois havia maior sensibilização dos que passavam para deixar pequenas ajudas, até porque a época Natalícia que se vivia também proporcionava a muitos um espírito mais fraterno e isso reflectia-se nas doações deixadas na sua caixa. Nisto, o mendigo, chama a atenção de um homem elegantemente bem vestido que pelo aspecto seria um executivo de alguma empresa que se situava por ali, este homem aproximou-se-lhe, não para lhe colocar uma esmola, mas porque o próprio mendigo o tinha chamado. 

No lugar onde estava, a sua omnipresença tinha uma falha, devido ao barulho provocado pelo transito e a distancia que o separava da cena, era impossível ouvir o que ambos diziam, mas de todos modos, eram possível interpretar o dialogo através da acção subsequente. Para ele era algo quase inato, pois desde sempre, enquanto observador daquele posto, teve que saber interpretar as acções sem o acesso aos diálogos. Era pois para ele, fácil fazer uma leitura correcta do que seria o dialogo entre aqueles dois, por muito invulgar que se apresentasse.
Assim, despertou em si ainda mais a atenção, pois o mendigo ao abordar este homem, certamente despertou a sua atenção, passando por isso a dedicar toda a sua concentração de bom observador.
O executivo, entretanto ao que parece, a pedido do próprio mendigo, retira da caixa das esmolas algumas moedas e vai embora. Para muitos seria estranho, mas para ele, habituado a observar, não fez qualquer interpretação, até porque a informação que tinha era muito pouca, simplesmente, esperou. Passados alguns minutos o executivo estava de volta e ao que parece, com ele, trazia a resposta à atitude que à primeira vista seria estranha, ao ter retirado parte do dinheiro das esmolas do mendigo. Com ele trazia algo num saco de papel, sacos típicos por ali os restaurantes usavam para o transporte de comida de refeições ditas rápidas.
Ao chegar junto ao mendigo, o executivo, colocou a sua pasta no chão e entregando-lhe o saco, com uma mão, em simultâneo, com a outra, colocou o que parecia ser o troco resultante da compra de tinha feito. Com este gesto, rapidamente voltou a pegar na sua pasta e quase que instantaneamente reiniciou o seu caminha que tinha sido interrompido pelo mendigo quando o chamou. Percebia-se nitidamente que o executivo estava com pressa e que aqueles preciosos minutos que despendeu para ajuda ao mendigo, eram parte do tempo que tinha para cumprir a sua refeição.
Nisto, com este pensamento na cabeça, o observador viu de repente o executivo parar e voltar-se para traz, como que de novo o mendigo o tivesse chamado e de facto assim tinha sido, pois ele, de novo, retomou na sua direcção.
“ – Claro.“ Pensou. “ – O mendigo, nem teve tempo de agradecer e deve tê-lo chamado para o fazer.” Ainda sem ter terminado este seu pensamento e já estava perplexo com o que via. O mendigo de mão estendida para o executivo, com metade do seu pão. Pão esse que há poucos minutos o executivo tinha ido comprar, despendendo parte do seu período de almoço para o fazer.
“ – Quase que diria que o mendigo também percebeu que esse tempo, para o executivo, era tudo o que tinha naquele momento.” Pensou ele.
Já estupefacto, o observador, mais espantado ficou ao ver a resposta gestual do executivo ao convite do mendigo. Este, recebeu a oferta que lhe estava a ser invulgarmente  feita e não só, como em simultâneo, poisou a sua pasta no chão e usando os degraus de uma escada que ai estava, sentou-se junto do mendigo. Assim, os dois, executivo e mendigo, iniciaram a sua invulgar refeição, juntos, sem que quem passava, deixasse de olhar, não no sentido critico, mas unicamente pela invulgaridade de tal cenário.

Durante este acto de comunhão absolutamente fraterna,  enquanto durou, todos os que por ali passavam, olhavam, mas sem no entanto ter o privilegio de ter tido acesso a todo o cenário, a toda a historia, como teve ele enquanto observador. Só ele percebeu em plenitude o que ali tinha ocorrido não era menos que o verdadeiro milagre que o significado do Natal deveria invocar a todos. O nascimento, mas de um novo comportamento em cada um de nós e para isso, esse nascimento, é-nos anunciado pelo acto que é o desprendermo-nos do que mais raro e único temos como nossa posse nesse momento.
Para o mendigo – metade da sua única refeição
Para o executivo – parte do seu tempo para satisfazer um pedido de um estranho e a outra parte, para compartir com esse mesmo estranho, a sua generosidade. 

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